A estética na filosofia orteguiana

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O intento deste trabalho é mostrar como aos olhos de Ortega y Gasset, a arte não se compreende fora dos impulsos da vida e do universo cultural. A meditação estética tem um papel decisivo na constituição da filosofia da razão vital. Os primeiros escritos de Ortega, não por casualidade, são críticas literárias ou artísticas, “Adão no Paraíso”, “Ensaio de Estética”, “Meditações do Quixote”. Através deles, Ortega vincula as reflexões estéticas com a cultura da época. Para o entendimento dessa temática também consideramos importante examinar os ensaios, “A desumanização da arte”, “Idéia do Teatro”, “As Atlântidas” e “O poeta do mistério”,  encontrados nas Obras Completas.

O caráter filosófico da meditação orteguiana não foi prontamente reconhecido. Ele foi chamado por alguns de literário, pelo uso de metáforas e do discurso “imaginativo”. Não é a melhor forma de entender o propósito do filósofo, o que Ortega fez foi escrever filosofia literariamente em uma época de crise, onde havia dificuldades em se falar sobre filosofia. Ortega foi inovador em sua época, sua razão vital foi a forma de explicar os problemas da vida, empregando metaforicamente seus conceitos, como na conhecida assertiva “a gentileza do filósofo, é sua clareza”.

As considerações de Ortega sobre a arte inclui outros aspectos que não podemos deixar de mencionar. Referimo-nos a objectualidade, a obra de arte enquanto objeto, construção, o trabalho manual mais trabalho intelectual, que se torna objeto, ou efeito psicológico, a identificação com o objeto artístico, a admiração, ou outros sentimentos que são estimulados pela arte. Porém examinamos com maior atenção o vínculo entre cultura e arte na obra de Ortega y Gasset.

2 Cultura, uma breve introdução

Para Ortega não se pode pensar a cultura desvinculada da vida. Em Cultura y Vida, o pensador constata que o Racionalismo e o Idealismo, deixam de lado aspectos importantes da vida dando ênfase a uma razão pura. No Racionalismo fica-se com a verdade imóvel do pensamento e abandona a vida, já no Idealismo prefere-se a mobilidade da idéia que a imutável verdade, mas também aí a vida fica de fora. Para o filósofo não há como separar a verdade da fluência da vida, como se vê no texto que se segue:

Esta velha discórdia está resolvida desde logo, não entendemos como pode falar-se de uma vida humana a que se tenha amputado o órgão da verdade, nem de uma verdade, que para existir necessita previamente desalojar a fluência vital”. Ortega y Gasset, José. Cultura y vida. P. 163.

 Os fenômenos vitais são dotados de um duplo comando, por um lado são produtos espontâneos do sujeito, tendo sua causa “dentro do indivíduo”, por outro lado depende de uma adequação à leis objetivas da cultura, portanto os fenômenos vitais dependem das duas dimensões. Dessa forma as funções vitais – atos subjetivos, que realizam “leis objetivas”, que em si levam a condição de ajustar-se a um regime, constituem a cultura.

3 O caráter estético na filosofia orteguiana

 No entendimento de alguns estudiosos de Ortega entre eles Antonio Gutiérrez Pozo, a dimensão estética de Ortega é um aspecto importante de seu pensamento filosófico. A arte não é um objeto a mais para a razão vital. Assim como ocorre na escrita literária, a metáfora é peça central da expressão teórica no raciovitalismo, para o pensador a metáfora é um instrumento mental imprescindível, “uma dimensão de conhecimento”. A metáfora não depura a realidade, a conta de modo figurativo.

No ensaio “As Duas Grandes Metáforas” o filósofo explicita que a metáfora nos permite explicar certos aspectos da vida, pois nosso intelecto, “não pode pensar a vida diretamente”. Para compreender a criação artística é preciso, em lugar de entender a arte como estética pura, ou colocá-la sob o comando da beleza, compreendê-la como lugar de abertura do ser. O homem tanto pode evadir-se de seu cotidiano, como representar suas relações sociais, angústias, ou seja, sua cultura, de forma que mesmo com o passar dos anos continuem expressivos.

4 Cultura e arte  

A arte possui uma dupla função na obra orteguiana. A primeira que não podemos tratar a visão artística à parte da cultura, a sensibilidade artística é capaz de sentir e expressar os acontecimentos de seu tempo, ela é a expressão de uma época. A segunda que a arte, assim como o homem não se explicam somente por seu contexto histórico, ela possui elementos atemporais e que transcendem a sua época, por isso ela é capaz de modificar o homem.

Toda forma de arte tem uma pretensão. É possível perceber em cada época uma tendência, uma mudança na cultura, que se iniciará ou se refletirá na arte. Percebemos nos quadros, nos poemas, nas peças teatrais, da época do Renascimento, uma super- valorização do homem. E este período é uma época de ruptura e dessacralização da sociedade. A arte por mais despretensiosa tem seus elementos culturais, ela pode assumir formas simples, reproduzindo o cotidiano do homem nas paredes de sua caverna, ou tratar de suas angústias, como fez Pablo Picasso ao pintar uma de suas maiores obras, “Guernica”, que retratava seu descontentamento com a guerra civil espanhola.

Por não separar a arte da cultura Ortega faz uma crítica à arte moderna, ele duvida da verossimilitude da arte nova, pois para ele, como seria possível uma arte sem formas presentes ou passadas. É necessário observar, que Ortega não tratou a nova arte com o repúdio ou a paixão, sentimentos que ela causava em sua época, e sim a submeteu a uma análise racional. Da mesma maneira que duvidou da durabilidade da nova arte, também compreendeu os motivos de sua não aceitação pela massa. A nova arte era vista como arte para artistas, a tentativa de uma arte pura era compreendida por poucos, foi retirado os elementos demasiadamente humanos, e é isso que agrada a maioria a possibilidade de ver sua vida representada de forma simples e habitual. Esta extirpação do real e a busca de fazer uma arte pura, eram para Ortega o reflexo da mudança que acontecia na sociedade, e em 1925 escreve sobre a nova arte:

“Noutro lugar indiquei que a arte pura e a ciência pura, precisamente por serem as atividades mais livres, menos estreitamente submetidas às condições sociais de cada época, são os primeiros fatos de onde se pode vislumbrar qualquer mudança da sensibilidade coletiva. Se o homem modifica a sua atitude radical perante a vida, começará por manifestar o novo temperamento na criação artística e em suas emanações ideológicas”. (Ortega y Gasset, José. la deshumanización del arte. p. 69).

Pode-se perceber então que a dúvida quanto ao sucesso da nova arte, se baseia na inseparabilidade ente a arte e a cultura. Rafael Garcia Alonso em seu artigo sobre Ortega observa que estamos assistindo ao exame de uma nova sensibilidade, dá razão ao filósofo espanhol emenciona a  da adaptação do novo na “globalidade de um sistema em movimento”, onde interagem arte/cultura.

4 Conclusão

 Analisar os estilos artísticos é um bom caminho para conhecer de que forma evoluciona a sensibilidade humana. Ortega se apresenta como um filósofo capaz de captar as mudanças do caminhar humano, ao longo do tempo, e utiliza a estética como um dos aspectos para essa análise.

Ortega não se limita a considerar a arte como mera sucessão de estilos. O filósofo identifica uma função vivente na arte. Isso significa, uma determinada sensibilidade e uma determinada interpretação da realidade de uma época.

Para o filósofo em cada época “triunfa” uma vontade artística peculiar, que rompe com as interpretações lineares da história da arte. Essa vontade artística aproxima trajetórias que podem detectar mudanças na história.

 

Bibliografia

 ORTEGA Y GASSET, José. La deshumanización del arte. Obras Completas. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

. Idea del teatro. Obras Completas. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

. Las dos grandes metáforas. Obras Completas. Madrid: Alianza Editorial, 1990.

Abbagnano, Nicola. Nomes e Temas da Filosofia Contemporânea. Dom Quixote Lisboa,1990.

Marías, Julián. História da Filosofia. 2.ed. São Paulo: Duas Cidades,1996.

Pozo, Antonio Gutiérrez. El carácter estético de la filosofía de la razón vital. Una presentación. Centro de Estudos Orteguianos. Madrid: Espanha, 2000.

Alonso, Rafael García. Ortega y el surgimiento de una nova sensibilidad. Centro de Estudos Orteguianos. Madrid: Espanha, 2000.

Daniela Paula Silva
Acadêmica de Filosofia da FUNREI
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