Resenha sobre «A idea del Teatro» 

O livro de José Ortega y Gasset é constituído por um texto básico e dois anexos onde ele examina o que é o teatro. No livro o autor declara as circunstâncias que o levaram a pronunciar uma conferência em Madri, nos dois anexos: o primeiro  manuscrito e o segundo com uma digressão, que avançou a

questão dos problemas do século.

Ortega y Gasset nasceu em Madri a 9 de maio do ano de 1883 e faleceu também em Madri aos 18 de outubro de 1955, de câncer, com 72 anos. O contexto histórico em que Ortega inicia sua vida intelectual não é nada brilhante. A Espanha, desde o final do século XVIII, vivia uma crise que resultara numa sociedade atrasada. A sociedade espanhola estava desorientada, deprimida e mergulhada na depressão sem qualquer perspectiva ou motivação. Herdeiro de vital preocupação com a verdade e o destino da Espanha, o filósofo se motiva a valer-se do período de crise para a criação de suas obras.

O filósofo espanhol pretende tratar a reflexão estética sobre a teatralidade. Sua investigação existencial e fenomenológica consegue desnudar elementos e relações fundamentais da representação teatral, enquanto ato concreto no espaço cênico.

A perspectiva estética integra a própria representação do mundo para Ortega y Gasset, faz parte do seu modo de pensar as coisas e escrever sobre elas. Para ele, a natureza da metáfora, é uma forma de inserir o leitor na idéia do que é o teatro.

Para compreender melhor o livro de Ortega y Gasset é preciso avaliar a importância que ele atribui à arte para a vida humana. O filósofo vê a realidade como um jogo entre o patente e o latente, aquilo que o homem vive no seu dia-a-dia e aquilo que vai sendo desvelado por ele.

Para Ortega y Gasset o homem encontra na arte, especificamente no teatro várias formas de representar-se. Ele utiliza o teatro como exemplo para as várias mudanças sofridas pelo homem, o fato de o homem haver se perdido, não saber qual o seu projeto, o que ele quer da vida. Assim nada no mundo pode favorecer sua trajetória. Ortega y Gasset diz que “uma coisa é sempre muitas e divergentes coisas” (p. 18).  As modificações que o teatro sofreu, são comparáveis às sofridas pelo homem, que está sempre em movimento e se adaptando às variações mudanças de seu tempo. No entanto, homem e teatro são realidades concretas e eles não podem deixar de ser o que são, mesmo em meio a muitas mudanças. Essas mudanças tem dois aspectos que o filósofo sustenta: o de construção e o de destruição.  A construção acompanha a idéia de criação, onde o homem “é o grande construtor, é o grande destrutor” (p. 22). Mas, tanto para o teatro como para o homem, o tempo passa e faz com que aquilo que era aceito em certa época vá se arruinando e entrando em decadência. Ortega y Gasset fala dessas mudanças como necessárias já que o mundo é movimento constante de construção e destruição. A necessidade dessas mudanças faz parte do ciclo natural da vida, “algumas coisas acabem é condição para que outras nasçam” (p. 22). O homem fabrica seu destino e é responsável por ele, o homem vai moldando sua vida em busca da “perfeição”.

 Para Ortega y Gasset, o mundo encontra-se em ruínas, estado que se reflete nas várias instituições e até no teatro. Esse estado nasceu a algum tempo, e os desacertos se acumularam e culminaram nas ruínas de hoje. Mesmo que às vezes não consigamos deixar de chorar sobre as ruínas, o que realmente é necessário é contemplar o ser em construção, esclarecer o que emerge de novo no espaço da vida.

Ortega y Gasset descreve a mágica do teatro, um mundo onde a representação dos atores causa admiração. Os artistas que estão em um lugar podem se encontrar em outro, e a “mágica” é tamanha que no momento da representação o homem não difere personagem e ator, “A boca do palco aspira a realidade do público para sua irrealidade” (p. 43).

A arte causa espanto. O  espanto de como um quadro pode representar em pequena tela quilômetros de paisagem, transformando-os instante em que a natureza criada foi observada. A arte é capaz de abstrair de tal forma o homem, que ele sente que a integra, não se sentindo capaz de separar-se dela. De tal forma é esta integração que o homem permite ser falseado pela arte (teatro), pelos atores que são farsantes. Essa passiva aceitação, isto é, ser falseado, provém de que o homem busca a distração para seu cotidiano, ele tem a necessidade de “deixar de fazer”. Na arte ele encontra formas para seus sonhos e expectativas, dessa forma, arte e homem interagem.

Nos dois anexos do livro, Ortega y Gasset dá continuidade ao exame do significado do teatro para a vida humana. No primeiro intitulado “Máscaras”, Ortega y Gasset fala da origem do teatro, em especial do teatro grego, que possuía um caráter distinto dos que encontramos no mundo antigo, iniciados em ritos ou cerimônias religiosas. Nesse anexo, também percebe-se a admiração de Ortega y Gasset pela forma como era tratada a religião na Grécia. O principal era a religião voltada para a vida e não definida à parte dela, tampouco estabelecida por grupos particulares de sacerdotes. A religião “penetra toda a vida deles, que não precisa deixar de ser isso que é quando não é especialmente vida religiosa…” (p. 60). No mesmo anexo, Ortega y Gasset trata a dualidade e contraste “impotência-onipotência”, onde o homem se depara com todas as possibilidades, mas também com as limitações de sua vida. Por esse motivo, no sentir de Ortega y Gasset, as máscaras sempre estavam presentes na antigüidade clássica, na vida do homem. Utilizando-se delas, o homem vê em suas mãos outra realidade, onde ele pode ser, sem limitações.

No segundo anexo, Ortega y Gasset examina o significado do tempo e de suas dimensões: presente, passado e futuro. A partir dessas dimensões, o tempo pode tanto ser generoso como criminoso. Generoso quando se trata de algo que ainda não o é hoje, mas que amanhã poderá ser, portanto, tempo criador. Mas com o passar do tempo essas mesmas coisas criadas são esquecidas, por isso, tempo criminoso. Para Ortega y Gasset, o que importa é que o homem saiba que sua vida vai durar certo tempo e cada minuto perdido não pode ser recuperado. Então ele tem que acertar, buscando sempre o melhor para sua vida, e essa busca é própria de cada homem.

O livro de Ortega y Gasset nos ajuda a compreender melhor a integração entre homem e arte, onde a vida do primeiro não seria a mesma. O homem sempre sentiu a necessidade de buscar fora de si algo que o faça encontrar-se. Para Ortega y Gasset  é a arte a forma mais bela desse escapismo.

O filósofo fala sempre da fuga do cotidiano, explicitando que se refere ao cotidiano na forma repetitiva dos atos e não daquele onde o homem cria a sua vida. Partindo do cotidiano, faz suas escolhas, mas ressalta sempre para se ter cuidado com os atos repetitivos, que paralisam o homem não deixando que ele crie nada além daquilo que já foi instituído. É desse cotidiano que Ortega y Gasset dá o direito à fuga. A distração é necessária, mas não pode ser constante, pois dessa forma não seria mais escape, porque o homem não teria do que fugir estando sempre distraído. Na distração também implica  a possibilidade do ser e do não ser. Ser algo que deseja mas não é, ou deixar de ser algo que não lhe agrada.

Ortega y Gasset em suas obras, fala da vida, trata o homem de forma que nunca o separa do seu cotidiano. Ele afirma que é através de suas escolhas que o homem se faz.

Muitos anos após sua morte, suas lições ainda são válidas. O livro de Ortega y Gasset nos adverte sobre a importância de voltar para si mesmo. Utilizando-se da arte, que é capaz de nos propiciar isso, ela auxilia o indivíduo a ensimesmar-se. Ortega y Gasset tratou de forma inovadora a relação do homem com sua vida, de forma clara e atual, fazendo de suas obras enriquecedoras.